quarta-feira, 7 de novembro de 2012

SEDE



Não é a água
Que me dá a vida;
É a sede.

Já não podes ser a fonte
Que sacia e reabastece
O lago profundo
Que sou.

És minha sede.

Sei,
Teu peito encerra vasos alados
Transbordantes de sonho e de azul.

Mas
É no calor dos teus lábios
Que sinto gosto orvalhado do sol.

NARA RÚBIA RIBEIRO

RESILIÊNCIA



Por mais que o teu peito se cale
E o teu olhar seja mudo
Tenho sonhos
De absurdos.

NARA RIBEIRO

PILARES



Entre os cílios da pálpebra,
As fagulhas do tempo.
O peso do destino
Coube na fração do segundo
Em que por primeiro
Avistei teu semblante:
Tímido, avesso, desencontrado.

E redesenhei os pilares do mundo
No palma da mão esquerda.
E desbotei os teus versos,
Desabotoei teus sentidos,
E o nada, todo ele,
Enamorou-se de ti,
Num repente derramado.

Assim como um céu se derrama
Quando a asa do dia
Acaricia de sonho
A face da noite finda.

Nara Rúbia Ribeiro

ALMA POÉTICA



Ter alma de poeta é sorte incerta.
É ter o peito encharcado de ilusões e alaridos
A percorrerem o nunca vivido.

É ver a vasta solidão e aliar-se a ela
Sem perder o encantamento
Da companhia paralela.

Ter alma de poeta é fingir desalmar-se
Desamar-se,
Acumular-se de ausências e seguir sozinho,
Cultuando o cultuar
Sem ater-se a deus algum.

Ter alma de poeta é ser profeta
de uma civilização de concreção deserta,
mas povoada de “eus” amantes.

É alagar-se de instantes
E aventurar-se a voar ao encontro do sol.

Ter alma de poeta é seguir por uma reta
De pedregulhos pontiagudos
E ver os pés sangrarem descalços,
Mas nunca desistirem do passo seguinte.

Ter alma de poeta é inventar mil paixões poeirentas
E vesti-las de luzes tantas
Que capazes seriam de iluminar o grito da morte,
A sorte do fraco
Ou a saudade do que já amou e partiu.

Ter alma de poeta é ter ferida no peito aberta:
Purulenta de espanto,
Mas incandescente de eternidades.

Nara Rúbia Ribeiro

RETINAS


Toda humanidade me visita,
Vinda, sempre,
De algum longe em mim.

Um beija-flor bem o disse,
Enquanto sabotava de sonho
A palavra dolorida
Do meu verso insone.


E me fiz carne alheia,
Sorte outra,
Suor de outrem.

Minha alma tem mil olhos
De mil almas invisíveis

NARA RIBEIRO

BUSCA



De quando em quando
A minh' alma gravita
Entre o afogamento
E a sede infinita.

De regra, me afogo
Em miragens minhas,
Ou resseco dor dos sentidos

No deserto que em mim formei.

Assim o sou
Eu sei.

NARA RÚBIA RIBEIRO
Encontrei a porta.
Agora,
só quero a chave
Da alma do mundo.
Dos amores,
Aqueles que não vivencio
São os que mais vivo.
Aquilo que sonho
Só tem fronteira
No infinito.


Nara Ribeiro

MOTIVO



Porque te espero
A lua fez cirandar as estrelas
Em cantigas de encantação.

Floresceram mil sonhos na relva
E as entrelinhas do tempo
Teceram poemas coloridos
E vontadas sublimadas.


E porque te amo
Tudo que é belo floresce na espera.
E tudo que é sem preço
Renasce, em silêncio,
Na palma do meu coração.

E não morro de ausência,
Ou de pressa.
Porque te espero e te amo
No invisível plano,
No invencível solo
De mim.

Nara Ribeiro

sábado, 20 de outubro de 2012

A CONFISSÃO DA LEOA



"Todas nós, mulheres, há muito fomos enterradas. 
Seu pai me enterrou; sua avó, 
sua bisavó, todas fomos enterradas vivas."
Mia Couto – A Confissão da Leoa


Um mundo dividido e hierarquizado em gênero. Quem nasce mulher, nasce menos. Padece de um aborto cultural antes mesmo de desentranhar-se da mãe. Essa é a África do livro “A Confissão da Leoa”, do escritor moçambicano Mia Couto, publicado, no Brasil, pela Companhia das Letras.

Meditar acerca da posição social da mulher “num outro mundo chamado Moçambique” é tarefa que, no primeiro momento, nos dá a falsa e confortável ideia de que as problemáticas das narrativas do romance, ficcionais e de uma cultura que se nos aparenta fabulosa, não nos dizem respeito. Contudo, em todos os lugares do mundo existem mulheres a observarem-se “enterradas vivas”, ante a violência física e moral de que são vítimas.

A história se passa em Kulumani, uma aldeia situada ao Norte de Moçambique, África, em que, afirma o autor “tudo está treinado para morder. As aves abocanham os céus, os ramos rasgam as nuvens, a chuva morde a terra, os mortos usam os dentes para se vingarem do destino.”

Nessa terra encontraremos leões a devorarem pessoas. Seriam leões nascidos de leoas ou leões fabricados por feitiçaria? - Indaga-se. Um caçador é chamado. Sua chegada faz um coração estremecer. É o coração de Mariamar, a que tivera, há tempos, conquistado.

Rituais permeiam o livro. Mulheres são submetidas a um infinito de violências morais de submissão e silêncios, somados à ideia  de que jamais pertencerão a si mesmas, sendo meras figurantes e jamais protagonistas de seu destino. Agressões físicas como mutilações de órgãos sexuais e estupro são recorrentes em Kulumani.

O que me apavora é que Kulumani se transporta no espaço e pousa impunimente nos relatórios e estatísticas criminais brasileiros. Também aqui, nascer mulher é quase uma condenação à violência doméstica, onde o soco ou o grito ou o xingamento se alternam com a carícia ou até mesmo com o sexo forçado. Onde a mulher, enclausurada em seu ego massacrado, se sente de algum modo culpada e merecedora  da  agressão recebida.

Não há que se confundir a luta pela igualdade dos sexos com bandeira sexista. Qualquer violência praticada contra um ser humano está acima do sexismo: merece um discurso humanitário, um apelo à justiça, em nome da dignidade da espécie. É por isso que as leoas rugem. 

Essas mulheres, leoas moçambicanas, brasileiras ou de qualquer outra nacionalidade, guardam segredos inconfessáveis. Por vez, por descuido ou por um ato de autorrespeito, confessam, professam sua força. Eis “A Confissão da Leoa”.


NARA RÚBIA RIBEIRO

segunda-feira, 18 de junho de 2012

DOR DA NOITE



Quando o vento sua,
O orvalho recobre as paisagens de mim
E reinvento tua mão
Na demora do adeus.

Mas se a chuva ora definha
O meu peito sangra memórias que não tenho
E escrevo-te um poema
Como se regressasses.

Desenho-te, como se existisses
E suplico por tua sombra
Como se o som do teu peito
Os meus olhos cegassem.

Nara Ribeiro

domingo, 27 de maio de 2012

ÂNSIA



Essa verdade que singra a doer,
Principia no primeiro voo dos pássaros,
Quando deus, de infinitos,
Resvalou palavra
Ao coração do homem:
- Haja amor!

Uma gota salivada de verso pousou-nos
Em estágio de silêncio puro.

As andorinhas pairaram extáticas
E o humano sentiu o angustiar dos sentidos,
A ânsia do todo, a rutilância do oposto.

E homem e mulher se entrelaçaram sobre o encalço das pedras,
À sombra das árvores,
A esmo do medo,
Sob o olhar indecifrável de deus.

Nara Rúbia Ribeiro

AO POBRE



Tens apenas duas moedas
E a miséria te abate?
Compra um pão,
Com a moeda primeira.

Com a segunda,
Compra o orvalho da noite,
A amplidão silêncio dos astros todos,
Compra os lírios que se libram
Nas hastes do infinito.

Ainda com a segunda moeda,
Compra o sol da manhã do destino,
A dor de amor em verso curto,
A liturgia das aves,
O ritual de acasalamento da aurora das cores.

Compra o clarão de sonho da alma do infante.
Compra, e a vida, de troco,
Em troca,
Dar-te-á a essência
Das vidas de tua vida.

Nara Rúbia Ribeiro

SENTIDO



Eu quero mais é a dor de ser gente
E esse medo macabro de já não o ser.

Quero a angústia de quem sente,
Se ressente por sentir,
Mas se dói dos insensíveis.

Nara Rúbia Ribeiro

MEU REINO



Pisa o meu sorriso.
Meus dentes são ladrinhos
E levam, de sul a norte
Em meu reino
De infinitos.

Meu coração é castelo de bruma.
Ao passares por ele,
Acena silente.
Veja:
Pungente ou não
O meu peito
É um solo sem chão.

Encontrarás borboletas,
Muitas.
Cacos coloridos de sonho
Fuligens perfumadas
Verdades inventivas
De quem tanto amou e sentiu.

Verás que tudo
É tanto nada
Que perderás o medo
De adentrares em mim.

Sou pouso pobre de pardais dourados,
Passeio de andarilhos,
Luz falciforme
De altares vazios.

Nara Rúbia Ribeiro

domingo, 20 de maio de 2012

DESALINHO

Tenho um sem fim finito de esperança,
Pois desalinho palavras
E me rasgo inteira,
Poema inacabado que sou,
Na pulsação descontínua
Do silêncio azul
Dos teus olhos tristes.

E as letras me caem, uma a uma,
Estrelas pálidas, vencidas, insones...
Cascata de emoção ressentida
Sem a pureza pronta
Da primeira hora.

Há um vácuo de palavras
A afrontar os ponteiros
Da solidão vivida.
Um cúmulo de ausências
Aprisionado num poço de silêncio fundo.

Sou uma dor que se perdeu no espaço
Ave invisível de um céu
Que nunca sonhaste teu.

Nara Rubia Ribeiro

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

COM O PERDÃO DAS FEMINISTAS



No dia em que acordei flor
Dei pra ter carinho de pássaro,
Passei a declinar borboletas
E um pirilampo sonhou meu sol.

E de tanto ouvir os sábios conselhos dos grilos
E as recomendações do louva-a-deus,
Desabrochei de amor
Em maio molhado de orvalho.

Sei.
"Ser flor de maio não é nada moderno,"
Mas perdi o medo
Do que é eterno.

Nara Rúbia Ribeiro

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

OBSERVATÓRIO DO MEU ANJO DA GUARDA

Meu anjo anda meio cansado.
Sentou-se ao pé do meu leito
E dormiu.

O tempo apiedou-se dele
E parou a contagem das horas.

Estática,
Parei de validar os medos.

Um anjo que dorme
Vale mais que mil anjos de pé:
O meu anjo da guarda não vela
Meu anjo
Sonha por mim.

Nara Rúbia Ribeiro

A HORA

A porta do tempo é opaca
Mas menino a viu entreaberta.
Foi espiar.
“- Mãe, cada minuto é feito de sessenta borboletas coloridas
Que voam depressa pra todo lugar.”
A mãe sorriu.
“- E qual a estrutura da hora, filho?”
“- A hora, mãe, é quando a matemática das borboletas se junta
E elas seguram as asas umas das outras
Como se fosse a humanidade inteira... “
A humanidade inteira,
Essa é a hora.

Nara Rubia Ribeiro